A ESCOLA IMPOSSÍVEL É POSSÍVEL

Chiara Rapaccini, illustradora e escritora de contos infantis

“O arquitecto ameaçador quer razionalizar o espaço”. Escrevi debaixo de um meu desenho que retrata um profissional sério, que com passo definido e os projetos enrolados debaixo do braço, tem a intenção de construir a escola perfeita.

Rui Braz convidou-me para trabalhar na Faculdade de Arquitectura do Porto em Abril de 2013, junto com arquitetos internacionais de grande fama. Para mim foi uma surpresa e uma honra. Os estudantes, os profissionais e os professores, reunidos num workshop sui generis, juntaram-se para enfrentar um tema extraordinariamente atual: como renovar as formas arquitetónicas da escola e inventar uma escola “possível” e ao mesmo tempo “impossível.” Quando impossível significa fantástico, à medida da criança, onirico, lúdico.

Eu (pintora de profissão, ilustradora e escritora para crianças) fiquei lisonjeada com o facto de que profissionais excelentes estivessem preparados para escutar as sugestões de uma artista italiana irónica e bastante irracional. Os meus únicos méritos académicos são um grau em psicopedagogia na Universidade em Florença, uma grande experiência nas escolas como autora e a publicação, em Itália, de um livro com o título “La casa impossibile” .

Era primavera no Porto, as árvores floridas, a colina que docemente se apoia no Douro, a faculdade mais bonita do mundo, projetada com domínio e graça por Siza, os almoços todos juntos no jardim, o humor bom, o contato com os estudantes e as crianças… uma situação ideal para refletir e criar. Naquela ocasião eu mudei definitivamente de opinião sobre a profissão do arquiteto.

Em Itália são uma pequena casta. Narcisos, geralmente com pouca fantasia, racionais, “quadrados!” No Porto encontrei-me a conversar com grandes profissionais espirituosos, relaxados, curiosos e humildes, com mentes “flexíveis”.

Conversamos, discutimos com os estudantes sobre a Criança desta era. Quem é? O que pensa? O que deseja da escola que o acolhe por horas, cada dia da sua vida? Como quereria viver lá? Eu sugeri aos rapazes para imaginar – através da própria experiência universitária, mas acima de tudo usando o coração, a barriga e a mente – formas novas que mudassem a ideia clássica e quase sempre lúgubre do edifício escolar.

Para começar a trabalhar com eles, parti das memórias infantis de edifícios escuros com corredores infinitos e frios, onde os passos ressoam no vazio. Das memórias de salas de aula de cor cinza com grandes janelas que separam os crianças do céu, das borboletas e da brisa. De bancos angulosos cor cinza ou verde garrafa, merecedores de só serem arranhados por sovelas e ponteiros, de quartos de banho com buracos no chão onde eu teria querido desaparecer quando era criança, também para não voltar para a aula. De cabides rígidos em ferro, hostis, onde pendurar o casaco invernal para usar “batas de enterro.”

Eu sempre odiei a escola e já de criança, perdida nos pórticos da aterrorizante escola Michelangiolo de Florença, sonhava poder estudar e fazer-me questionar em pequenas salas coloridas de amarelo, sentada sobre uma minúscula poltrona vermelha, estofada. O banco dos meus sonhos não tinha que ter esquinas.

Teria sido perfeito ter uma mesa-ovo, branca, com pés de galinha laranja. Mais tarde projetei-a de verdade para a empresa ROBOTS, em Milão. A vingança!

O ovo tinha que produzir pequenas omeletes com presunto para a hora do lanche. Nenhuma mesa para os professores. Melhor uma enorme mesa construída com peças de Lego, substituíveis dia à dia. O chão gostava que fosse em espuma, para dormir lá em acima de vez em quando.

Luzes baixas, amarelas e quentes, paredes móveis aptas para ser sujas e seguidamente lavadas com uma pequena cascata de água. E mais – fundamental – uma piscina com água quente onde passar a recreação com jogos de água, pequenos barcos, animais e livros flexíveis e impermeáveis. A arquitetura externa da escola tinha que ser modular, colorida, cercada de água.

Com os estudantes do workshop do Porto pensámos em redesenhar a escola, empregando critérios semelhantes.

A minha tarefa não era projetar com eles um edifício real, mas estimulá-los a desenvolver o seu lado criador, louco, imaginativo, sem por isto estar a renunciar à técnica e à tecnologia que tivessem adquirido.

Ainda consigo ver os projetos dos estudantes.  Originais, livres, belissimos. Eu também, enquanto estive no Porto, projectei uma escola nova. Um enorme ovo transparente no qual uma única criança lê tranquila, alongada sobre uma cadeira. Na parte externa agitam-se os professores das escolas, furiosos que urram e querem entrar para ensinar. Mas o ovo é construído com um material muito novo, inquebrável e transparente que tem fora “os aborrecidos”. Inventei-o e espero patenteá-lo brevemente.


Artigo publicado no livro “A ESCOLA IDEAL”

ISBN 978-989-98808-3-2
Edição CIAMH, FAUP
Coordenação Editorial
Daniela Ladiana
Nuno Lacerda Lopes
Rui Braz Afonso
Ano 2018