INOVAÇÃO TIPOLÓGICA NO PROJECTO DOS EDIFÍCIOS ESCOLARES: ESTÁ OU NÃO OBSOLETA A SALA DE AULA?

Paulo Lousinha, Doutorando FAUP, CIAMH

Escola de Paredes, Nuno Lacerda Lopes, ©Nelson Garrido

1. Introdução

“A sala de aula como único e permanente espaço de aprendizagem é coisa do passado.”(1)

Apesar da ancestral história da educação, é apenas no começo do século XIX que surgem os primeiros edifícios desenhados especificamente para receber salas de aula do ensino primário. A escola vista como lugar é por isso um acontecimento historicamente recente, que ganha expressão principalmente a partir da segunda metade do século XIX, fruto de uma conjugação de factores, fundamentalmente sociais, mas também higienistas ou ainda simbólicos. Pela natureza da função social do programa, com a emergência do movimento moderno na Europa dos anos 20 e a crescente disseminação de novos métodos de ensino, a arquitectura escolar ganha uma relevância particularmente importante, uma vez que o edifício permite experimentar muitas das novas concepções espaciais, como resposta a uma sociedade em mudança, mas também ser um elemento chave na solução dos problemas higienistas levantados pela construção das grandes escolas dos últimos anos do século XIX. Durante quatro décadas, as escolas modernas florescem. Depois de um período de grande euforia, verificamos um fenómeno inverso entre os anos 60 e os anos 90. No virar do milénio, sob a parangona da “Escola do século XXI”, assistimos a um interesse renovado pelo edifício escolar ao qual, no entanto, não tem correspondido uma efectiva produção de conhecimento científico sobre o desenho do espaço de aprendizagem.

A escola deve revelar uma atitude de acção educativa como suporte a uma determinada prática pedagógica. Porque os novos edifícios escolares poderão estar em perigo de se tornarem “obsoletos”, mesmo antes de abrirem, se o seu desenho não reconhecer os limites das mudanças das práticas de ensino, e consequentemente, a necessidade para espaços flexíveis e adaptados para o uso polivalente do edifício, vamos assim olhar a evolução possível desta tipologia de edifício a partir da sala de aula, o símbolo mais visível de uma filosofia de educação.

Mas está ou não obsoleta a sala de aula?

2. Pedagogia, as Escolas Modernas, o Funcionalismo e a Sala de Aula

Quando em 1809 Joseph Lancaster(2) publica “Hints and Directions for Building, Fitting Up, and Arranging School Rooms on the British System of Education”, como resposta às necessidades educativas das cidades em rápido crescimento industrial, fornece o primeiro contributo para a discussão em torno da sala de aula.(3) Para Francisco Ramírez Potes, este trabalho seminal de Lancaster, rapidamente alargou o debate sobre o edifício escolar a outros países europeus, em resposta à importância que a educação entretanto adquire com as conquistas sociais dos finais do século XVIII, e a consequente democratização do ensino: ao direito do voto universal junta-se o saber ler e escrever.(4) Só a partir daí faz sentido falar em arquitectura escolar como um domínio próprio da produção arquitectónica.

A percepção de que o ambiente construído determina o desenvolvimento espiritual, foi um dos eixos do desenvolvimento das arquitecturas do final do século XIX, onde a “obra de arte total” – getsamkunstwerk – era um objectivo. É por isso que Potes considera pertinente mencionar algumas escolas desse período “(…) como as de Haimhuserstrasse e Elizabethplatz (1900-1901), em Munique, de Theodor Fischer ; a escola da Rue Rouelle (1908-1911), em Paris, de Louis Bonnier; a escola Letten (1912-1915), em Zurique, de Adolf Bram, ou a pequena escola da Sagrada Família, em Barcelona, que adoptou um modelo de ensino inspirado na pedagogia de Montessori.” 

Lendo a declaração do primeiro Congresso Internacional de Arquitectura Moderna (CIAM), percebemos o destaque atribuído ao edifício, mais do que à arquitectura, como actividade elementar do homem intimamente vinculada à evolução e ao progresso da vida humana. A ideia de eficiência económica defendida no primeiro ponto da declaração de La Sarraz, é imediatamente explicada na seguinte, para deixar claro que a mesma não implica a maximização do lucro, mas antes, a redução do esforço de trabalho. É neste contexto de fortes convicções pela dignificação da condição humana, que nos anos 20 e 30 do século XX, o programa escolar ganha relevância, uma vez que o edifício permite experimentar muitas das novas concepções espaciais, como resposta a uma nova sociedade, mas também ser um elemento chave na solução dos problemas higienistas levantados pela construção das grandes escolas dos últimos anos do século XIX.

Antes ainda do primeiro CIAM, já a transformação da arquitectura escolar havia sido objecto do Congresso Internacional sobre Higiene Escolar, realizado em Nuremberg no ano de 1904, onde se estudaram as deficiências de ventilação, de iluminação, de instalações sanitárias e de espaços de desenvolvimento físico. Este debate influenciou o trabalho consequente de muitos arquitectos que começaram a projectar escolas de um só piso, em pavilhões isolados, implantados em função da orientação solar, com amplos vãos, portas de correr, coberturas planas para a exposição dos estudantes ao sol, ao mesmo tempo que o corredor apenas servia um dos lados das salas para facilitar a ventilação cruzada. Mais que novos conceitos pedagógicos, são as razões de ordem técnica por causas sanitárias que ditam o fim das escolas em claustro do final do século XIX, responsabilizadas pelo aumento da tuberculose infantil.

Esta coincidência das vontades conceptuais e expressivas do movimento moderno – maior transparência, interligações volumétricas e espaciais, fenestração liberta de regras de composição formal para cumprir a  função iluminar – com a solução dos problemas higienistas – maior contacto com o ambiente exterior, eficaz ventilação e iluminação natural – mais que uma preocupação pedagógica, é uma oportunidade para os arquitectos implementarem a linguagem moderna. De facto, sem estarem vinculados a uma pedagogia em particular, as primeiras escolas modernas encontraram na resolução destes problemas um motivo para mostrar uma nova expressão arquitectónica. A natureza do uso social, própria do edifício escolar, foi explorada pelos arquitectos modernos – mais enfaticamente que outros programas muito debatidos nos congressos internacionais de arquitectura moderna, como o da habitação ou o dos escritórios – para laboratório experimental de uma nova linguagem que caminha em direcção ao abstraccionismo. É paradoxal que o tema “arquitectura escolar” nunca tenha tido grande protagonismo nos CIAM, sabendo que Siegfried Giedion, primeiro secretário do congresso, foi assessor da exposição “A Nova Escola”, realizada entre 10 de Abril e 14 de Maio de 1932 em Zurique.

Por esta altura, já o edifício escolar se tinha transformado numa tipologia claramente identificável no ambiente urbano. Com as preocupações higienistas, desapareceram os grandes corredores centrais com distribuição em espinha para dar lugar a escolas com apenas uma ala de salas de aula, com um lado voltado para o sol e outro destinado à distribuição, facilitando desta forma a ventilação cruzada. Mas a utilização do espaço interior permanecia o mesmo: corredor apenas para circulação e a sala de aula uma caixa opaca. Para Herman Hertzberger é incomum que apesar da emergência de novos ideais em educação, apelando a uma maior independência do aluno e expressando reservas ao modelo tradicional do professor expositivo, não tenha surgido uma resposta correspondente da arquitectura, capaz de arrasar definitivamente a sala contentor. Segundo este autor, parece que “(…) a inexorável consequência espacial de dar mais independência aos alunos, abrindo a sala de aulas, nunca chegou realmente à arquitectura.” Hertzberger afirma ser surpreendente que até os arquitectos modernos raramente respondam a este desenvolvimento, embora professem ser a cara de uma reforma social: “Em vez disso, os arquitectos modernistas estavam, mais preocupados com longas janelas e grandes transparências, principalmente orientadas para o mundo exterior.” Esta visão crítica do autor, prossegue com o exemplo das escolas ao ar livre, as quais afirma serem populares entre os arquitectos modernos por servirem de desculpa para a utilização massiva de vidro, sem que os mesmos aportassem qualquer mudança ao consagrado papel autoritário do modelo educativo vigente. Herman Hertzberger conclui que embora progressistas, os arquitectos não estavam interessados na renovação do ensino e aprendizagem: “(…) se olharmos para lá das magnificas extensões em vidro da escola ao ar livre de Duiker, vemos crianças ainda sentadas nos tradicionais bancos de escola, embora estes tenham sido desenhados de novo e quando o tempo o permitia, eram algumas vezes usados ao ar livre.” 

Olhemos então o caso das escolas ao ar livre, que Hertezberger cita como exemplo da aparente contradição entre a condição social que o arquitecto moderno reclama e a prática profissional. Um importante número de referências da arquitectura escolar moderna são escolas deste tipo. Com origem na Alemanha, as escolas ao ar livre têm por função lutar contra a tuberculose infantil, mas os objectivos pedagógicos rapidamente se associam às razões sanitárias que estiveram na sua génese. Potes cita a iniciativa do pedagogo Hermann Neufert, que em colaboração com o médico Bernard Bendix, funda em 1904, no bosque berlinense de Charlotemburgo, a primeira escola deste tipo, a Charlottenburger Waldschule, desenhada por Walter Spikendorff. Promovido pelos Congressos Internacionais de Higiene, ainda segundo o mesmo autor, este modelo é rapidamente replicado noutros países europeus e nos Estados Unidos da América.  Em 1922, realizou-se o primeiro Congresso Internacional de Escolas ao Ar Livre, em Paris . Tal como foram os problemas sanitários que estiveram na base da expansão deste modelo, foi a descoberta da penicilina e o consequente desenvolvimento dos antibióticos a ditarem o seu fim. A titulo de curiosidade, cabe aqui referir a situação em Portugal citando a obra de 1922 da autoria de Camilo Augusto de Figueiredo, intitulada “Breves Considerações sobre Escolas ao Ar Livre”; nesta tese de doutoramento da Faculdade de Medicina do Porto, o autor afirma que apesar do governo ter decretado a 29 de Março de 1911 a criação de escolas ao ar livre, na data da publicação do trabalho ainda nenhuma havia sido realizada.

Voltemos então ao exemplo paradigmático desta tipologia que é a Escola ao Ar Livre em Amesterdão, de Johannes Duiker e Bernard Bijvoet, (1927-1930). Paradigmático mas também paradoxal para o modelo: esta escola é projectada para crianças saudáveis, desenvolve-se em altura e em ambiente urbano. Conta-se que só conseguiu a licença de construção no interior de um quarteirão, longe da vista, para não confrontar a arquitectura tradicional do bairro.  Independentemente desta história que Hertzberger cita num artigo da revista espanhola Arquitectura Viva, na verdade ao ficar preso num pátio livre da malha de Amesterdão, a escola ganhou protecção para o que seria a sua maior vulnerabilidade num outro contexto urbano, pela grande dimensão dos seus planos envidraçados. Implantado no topo norte do pátio, o edifício expõe-se a sul, numa complexa relação entre interior e exterior, com o percurso de acesso à escola a atravessar todo a área de recreio. Dispondo as sete salas numa planta quadrada de quatro pisos, o edifício faz coincidir a sua diagonal com o eixo norte/sul, numa composição simétrica apenas contrariada pelo volume a nascente, ao nível térreo, do ginásio. Seis das salas de aula organizam-se duas a duas, por piso, e partilham um terraço ao ar livre no vértice sul. A sétima fica no piso térreo do lado oposto ao ginásio. A solução estrutural desmaterializa as esquinas, ao mesmo tempo que se autonomiza por completo da fachada seguindo a preceito a cartilha do movimento moderno, libertando as diagonais. Isto permite desenhar a entrada no edifício por um dos vértices através de uma porta de duas folhas que segue a lógica da ala assimétrica do ginásio. Nos pisos elevados, o acesso às salas mais não é que um grande patamar junto à escada. O pé-direito maior no piso térreo justifica-se pela necessidade de volume no ginásio, ao mesmo tempo que permite elevar a cota da sala de aula térrea, com o objectivo de criar privacidade visual dos alunos desta sala em relação ao exterior. É curioso referir esta aparente contradição do projecto, que se preocupa com a possível distracção que as crianças no recreio possam exercer sobre as da sala de aula, mas não se preocupe com o olhar indiscreto da vizinhança do quarteirão sobre as restantes salas.

No texto de Johannes Duiker “A Escola Saudável para a Criança Saudável”, deixa claro na sua descrição sobre  esta escola de Amesterdão, qual foi a sua principal motivação, talvez influenciado pela sua obra terminada anteriormente, o Sanatório de Hilversum:

“É uma vigorosa força higiénica que influencia as nossas vidas e vai crescer em estilo – um estilo higiénico! A ênfase unilateral colocada no treino da mente, como um dogma escolástico, dificulta a necessária atenção que deve ser dedicada aos poderes e potencialidades do corpo presentes ainda que de forma incipiente na criança. Ainda que o desenvolvimento normal da mente esteja vinculado a um desenvolvimento normal do corpo.

Abandonados entre quatro paredes de uma sala de aula sobrelotada, sujeitos durante horas a fio a matérias que muitas vezes não entendem, muitas vezes com pouca luz ao anoitecer, submetidos a uma mais ou menos rígida disciplina – assim é como as crianças passam a sua juventude de prazer e alegria. (…)

Claro que há os novos métodos pedagógicos: os sistemas de Montessori e Dalton, cada um dos quais com as suas exigências especiais em dimensões e divisões da sala de aulas. Estes são certamente da maior importância para a criança. Mas estes sistemas pedagógicos não são tão influentes na arquitectura do edifício escolar como os factores higiénicos de imaterialização da estrutura, que tem um carácter muito mais geral. Isto, então, é o ponto de partida para a nossa filosofia de edifício escolar moderno. (…)” 

Não admira que sobre este projecto, Hertzberger afirme: “pode ser espectacular na sua transparência e maravilhosa pureza construtiva” mas não passa de uma versão aberta para o exterior do sistema tradicional da sala de aula não obstante a luz e o ar, onde as crianças “continuam a ser ensinadas nas tradicionais linhas”,  ou seja, também a escola transformada em máquina, mas no pior exemplo do modelo fordista.

3. Pedagogia e Arquitectura no Pós-Guerra: O Exemplo da Escola Primária de Darmstadt

A renovação dos edifícios escolares verificada na década 20 e 30 do século XX ficou marcada, como vimos, pelas questões higienistas e sanitárias associadas ao programa das escolas ao ar livre. Esta euforia renovadora baseada neste modelo de escola, foi interrompida durante a segunda guerra mundial, e vencida pouco depois pelos antibióticos. Anunciava-se a chegada de um novo período histórico, que a industrialização e comercialização da descoberta de Fleming antecipava. A sociedade ocidental avançava no segundo pós-guerra para um modelo capitalista que enfraquecia os conteúdos do programa social do movimento moderno. A América importava o modelo da arquitectura moderna europeia mas sem a componente ideológica. A estética era progressivamente adoptada para a realização das sedes das grandes empresas: “Despida do seu programa social, a arquitectura moderna foi reduzida nos anos 50 a um estilo para repetição no sector comercial.” 

A evolução da arquitectura escolar seguiu o seu caminho, com os primeiros sinais de crítica ao movimento moderno. O interesse em ligar arquitectura e pedagogia, segundo Potes, tem nas escolas primárias de Hans Scharoun, as suas primeiras e mais importantes concretizações. 

Ainda que influenciada pela ética funcionalista, a arquitectura de Hans Scharoun era anti-moderna, opondo-se ao interesse pela geometria abstracta. Este arquitecto alemão considerava estar mais ligado a uma tradição de desenho Nórdica, numa abordagem que contrastava com a tradição da outra Europa, onde as regras da abstracção matemática prevaleciam. No período pós-guerra, Scharoun construiu duas das três escolas que projectou. Numa altura em que a maioria das instalações escolares permanecia agarrada à sala de aula rectangular, sem diferenciação entre espaços para crianças e jovens, a Escola Primária de Darmstadt que projectou, fazia uma abordagem mais adaptada à escala dos seus utilizadores. Apresentada em 1951, durante a realização do Darmstadter Gesprach,  esta escola que nunca viria a ser construída, foi vista, segundo Mark Dudek, como um protótipo que representava a intrínseca estrutura social da comunidade escolar no seu planeamento e organização.  Segundo este autor, há neste projecto uma interessante ligação a John Dewey, uma vez que o desenho não se limita a cumprir os requisitos meramente funcionais, mas preocupa-se com o papel social da escola. Para Dudek, Scharoun vê a escola como um microcosmo da cidade onde as salas de aula representam as casas, ligadas pelo seu próprio espaço comum de articulação como uma espécie de rua interior. Elementos institucionais do programa, como a capela e a assembleia podem ser interpretados em termos de iconografia urbana como a igreja e a assembleia municipal.

O projecto de Darmstadt é proposto para um terreno rectangular, comprido mas estreito. Formalmente distante da simplicidade volumétrica e planimétrica do modelo racionalista vigente, a escola expressa uma linguagem influenciada na estética expressionista, que caracterizarão outros trabalhos de Scharoun. A resposta ao programa organiza-se em três áreas distintas, por diferentes níveis etários, associando cada uma delas a zonas de encontro. Como numa cidade, estas três áreas misturam-se com outros elementos do programa, em agrupamentos autónomos, com identidades próprias, ligadas por um amplo corredor, como se de uma rua se tratasse: a metáfora da cidade fortificada.

A sequência espacial cria uma hierarquia do público para o privado: começando no domínio privado, os alunos habitam o seu próprio espaço dentro da sala que pertence a uma determinada classe, que pertence a um grupo de classes, que pertence a toda a escola, que finalmente pertence à comunidade. A localização de cada parte do edifício relaciona-se com a idade dos alunos, fazendo igualmente uso de um código interior de cores. Scharoun dividiu estes grupos em escola baixa, escola média e escola alta para as idades até aos 3 anos, dos 4 aos 6 anos e dos 7 aos 9, respectivamente. Ao contrário do que vimos com as escolas ao ar livre, aqui a arquitectura reflectia as teorias pedagógicas da época, que propunham para diferentes fases do crescimento da criança, diferentes tipos de espaços, dado que tanto a percepção visual como cognitiva se vai desenvolvendo de maneira gradual. Por outro lado, Scharoun propunha zonas comuns abertas à “mistura social” dos alunos de diferentes idades. A assembleia era uma dessas zonas.

A principal ideia que Scharoun defendeu com o projecto desta escola, foi a de que a arquitectura devia acompanhar a evolução cognitiva da criança em cada fase do seu desenvolvimento.

4. É importante onde aprendem os alunos?

Após as primeiras experiências que tiveram lugar nas escolas públicas britânicas do pós II Guerra Mundial, uma pedagogia emergente ganha espaço no final dos anos 60 do século passado: a sala de aula aberta . Mais do que a sua influência imediata e directa no desenho do edifício, foi a organização da sala de aula que mudou radicalmente. Próxima do ambiente doméstico, em vez de secretárias para alunos e professor, a sala de aula passou a organizar-se como um lugar de trabalho para pequenos grupos onde diversas actividades ocorrem simultaneamente no mesmo espaço, funcionando sempre com a porta aberta e permitindo que os alunos entrem ou saiam livremente. Um artigo de Walter Schneir e Miriam Schneir de 1971 , classifica como a alteração física mais dramática deste modelo, a extensão da sala de aula para o corredor. O que foi uma medida de recurso para solucionar o problema de sobrelotação nas escolas britânicas do pós-guerra, acabou por se revelar  “uma virtude quando as portas da sala de aula foram abertas e as crianças autorizadas a ter acesso livre aos corredores”  escrevem Water e Miriam Schneir. O corredor funciona assim como prolongamento da sala e ganha, como defende Hertzberger, a função de rua de aprendizagem. Esta liberdade de circulação dos alunos desmaterializou o conceito velho de séculos da “sala de aula”. Promoveu a liberdade de trabalho espontâneo em pequenos grupos, algumas das vezes de diferentes idades, potenciando um sistema de ensino onde os alunos já não estão vinculados a um determinado nível de escolaridade.

Depois das experiências crescentes no final da década de 1960, tanto em Inglaterra como nos Estados Unidos, o modelo ganha um particular dinamismo com o virar da década e o termo “open classroom” passa a dominar o vocabulário de qualquer educador. E, mesmo que não completamente compreendido, passa a influenciar directamente o desenho dos novos edifícios escolares, com os seus impulsionadores a encomendarem aos arquitectos escolas em “open space”. Segundo Larry Cuban, as escolas sem paredes viraram moda nos Estados Unidos durante a primeira metade década de 1970.  No entanto, passados apenas alguns anos, tudo mudou novamente. As escolas em espaço aberto reconstruíram as suas paredes, e o interesse pela sala de aula aberta já mais não era do que “uma nota de rodapé nas teses de doutoramento.” .

5. Porque está obsoleta a sala de aula?

Se o termo “sala de aula aberta” desapareceu definitivamente do vocabulário dos educadores, a verdade é que a sala de aula como principal lugar de aprendizagem não resiste ao actual escrutínio da investigação científica. É hoje claro que as crianças diferem nas suas motivações, interesses e raízes, têm diferentes ritmos de aprendizagem e têm interesse por assuntos diversos. Cada aluno constrói o seu conhecimento baseado nas suas experiências passadas. Se é verdade que não existe um único caminho capaz de satisfazer todas as necessidades de ensino, não é menos verdade que todas as alternativas actuais de aprendizagem passam pelo processo activo de investigação apoiado e focado no aluno em vez do passivo centrado no professor.

A velha sala de aula pressupõe erroneamente que a eficiente entrega de conteúdo é sinónimo de uma aprendizagem efectiva. É por isso claro que o modelo secular das “school rooms” de Joseph Lancaster, repensado ao longo de duzentos anos de reformas educativas, está definitivamente obsoleto. 

Notas

1) Herman Hertzberger, “Space and Learning”. Rotterdam, 010 Publishres, 2008, p. 25.

2) Joseph Lancaster é um dos pensadores do método de ensino mútuo, que colocava centenas de alunos numa mesma sala, divididos em grupos de 10 a 20 alunos conforme o nível; a cada grupo era confiado a um monitor – um aluno mais adiantado – o qual instruía os colegas, como fora ensinado pelo professor horas antes; além dos monitores havia ainda o inspector, que vigiava os monitores e relatava ao professor.

3) A utilização da expressão “school rooms” leva-nos a pensar que a palavra “classroom” ainda não tinha surgido no léxico anglo-saxónico.

4) Francisco Ramíres Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna” in Revista Educación y Pedagogía 21(54). Medellín, Universidad de Antioquia – Facultad de Educación, 2009, p. 32.

5) Theodor Fischer, um dos fundadores da Deutsche Werkbund, foi igualmente professor de um importante número de arquitectos alemães ligados do movimento moderno, como Hugo Haring e Erich Mendelsohn.

6) Francisco Ramírez Potes, “Arquitectura y Pedagogía en el Desarrollo de la Arquitectura Moderna”, op. cit., p. 33.

7) Assinada a 28 de Junho de 1928 por 24 arquitectos em representação de oito países europeus: seis franceses, seis suíços, três alemães, três holandeses, dois italianos, dois espanhóis, um austríaco e um belga. (Kenneth Frampton, História Crítica de la Arquitectura Moderna. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1991, p. 273.)

8) Kenneth Frampton, História Crítica de la Arquitectura Moderna, op. cit., p. 273.

9) Anne-Marie Châtelet, “School Buildings and Architecture” in Paula S. Fass (ed.), Encyclopedia of Children and Childhood: in History and Society, Vol. 3. New York, Macmillan Reference, 2004, p. 726.

10) Bruno Zevi para explicar o catálogo como metodologia do projecto, dá o exemplo das janelas: “O classicismo seleccionou um módulo para as janelas dum palácio renascentista; em continuação estuda a sequência de módulos, as relações entre vazios e cheios, os alinhamentos horizontais e verticais, quer dizer, a sobreposição das ordens. Pois bem, o arquitecto moderno liberta-se destas preocupações formais para se lançar numa tarefa de semantização muito mais complexa e proveitosa. Sobretudo: nenhum módulo deve ser repetitivo.” (Bruno Zevi, A Linguagem Moderna da Arquitectura. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984, p. 18.)

11) Herman Hertzberger, “Space and Learning”, op. cit., p. 13.

12) Herman Hertzberger, “Space and Learning”, op. cit., p. 13.

13) Herman Hertzberger, “Space and Learning”, op. cit., p. 13.

Bibliografia

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ZEVI, Bruno, A Linguagem Moderna da Arquitectura. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984.


Artigo publicado no livro “A ESCOLA IDEAL”

ISBN 978-989-98808-3-2
Edição CIAMH, FAUP
Coordenação Editorial
Daniela Ladiana
Nuno Lacerda Lopes
Rui Braz Afonso
Ano 2018